O
EXORCISTA
Aquela casa era muito antiga. O
grande portão de madeira ia carcomido pelo tempo. Lascas de tinta marrom que
caiam deixavam entrever que um dia aquele portão fora pintado de um vermelho
sangue. O muro muito alto não deixava visão da casa. Dentro a casa não era
confortável, apesar de espaçosa. Tinha as paredes muito úmidas e o teto
embolorado. Os vizinhos evitavam até de olhar para ela, todos sabiam que ali
vivera e morrera uma senhorinha que realizava abortos no calar das madrugadas.
Muitos fetos foram enterrados no fundo do quintal e um novo cômodo se erguera
ali.
Surpresa porém foi ver ali chegando
uma mudança, depois de anos de abandono da casa. A família que ali chegava
parecia muito normal, um casal com seus três filhos.
As portas foram abertas e a limpeza
era geral. Os olhares dos vizinhos espreitavam cheios de horror o ritual de
mudança. Alguns dias depois tudo estava no lugar.
A alegria do casal parecia estampada
no rosto, deleitaram-se por pagar tão baixo preço numa casa tão grande e bem
localizada. A alegria, porém não durou muito. Logo souberam dos rumores das
desgraças que a casa trazia. O casal tentou convencer os filhos de que aquilo
tudo era boato e que logo, logo eles veriam o quão felizes seriam.
Acontece porém que não durou muito e
coisas estranhas começaram a acontecer... No início coisas mais brandas. Um dia
a filha mais velha estava sentada costurando uma roupa quando sentiu um sopro
muito gelado em seu pescoço, pensou que se tratava de uma brincadeira do irmão
caçula, mas de repente percebeu que estava sozinha em casa. Chamou pela mãe e
não obteve resposta. Levantou-se um tanto ressabiada e lentamente foi saindo
daquele quarto, sentiu o sopro gelado em seus joelhos. Correu para a sala e os sopros
na nuca estavam cada vez mais gelados. Depois desse dia nunca mais voltou ao
normal a sua vida, pois aqueles sopros eram constantes onde quer que ela
estivesse dentro de casa. Só tinha paz quando saía de casa.
Os bichos de estimação tiveram
mortes estranhas. Dois cães amanheceram mortos em cima do telhado com os olhos
esbugalhados, suas cabeças pendiam pela beirada da telha deixando entrever o
focinho desfigurado.
O filho caçula começou a ver um
vulto caminhar pela casa, ás vezes esse vulto surgia pelas paredes ainda com
resquícios de mofo. A família via de vez em quando um porco enorme cruzar a
sala e desaparecer no quarto de costura.
Ninguém mais conseguia ter paz
naquela casa, mas tinham gasto todas as suas economias ali e agora não tinham
mais para onde ir. Tentavam conviver com aquilo, mas a felicidade há muito
tinha se esvaído. Certa noite porém, a família estava reunida na sala quando
ouviram um forte gemido vindo do quarto de costura, o pai pediu calma a todos e
devagar pegou a bíblia e encaminhou-se para o local do gemido. A mãe abraçou os
filhos e todos começaram a rezar: “Ave Maria cheia de graça...” Um grito
ensurdecedor ecoou pela casa e todos correram em socorro do pai. O espanto foi
grande quando viram o homem com a cortina negra enrolada no pescoço. O pai
tentava desesperadamente escapar, mas a força do mal era maior. A bíblia estava
colada no teto e suas folhas voavam como se ali tivesse uma forte tempestade.
Os móveis tremiam e eram arrastados do lugar. Os olhos do homem saltaram das
órbitas e sua língua não cabia mais na boca. O tecido afrouxou-se no pescoço,
mas para o homem já era tarde. A bíblia desgrudou-se do teto caindo em cima do
rosto do homem. O pânico fez com que mãe e filhos corressem dali. No dia
seguinte os vizinhos viram o portão entreaberto e à tarde chamaram a polícia,
pois havia algo de muito estranho acontecendo ali.
Repórteres e curiosos aglomeravam-se
para ver aquele corpo deformado sair dali.
A polícia nunca desvendou o caso e a
família nunca mais fora encontrada por ninguém. A casa foi lacrada e ainda hoje
ouve-se sussurros pela madrugada. As pessoas têm a impressão de que a casa
possui olhos que as seguem quando elas passam ali por perto. A cidadezinha
cresceu, mas no meio das belas casas jaz um mausoléu que ninguém se atreve a
adentrar. A casa tem olhos que choram e chamam.