segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012




O EXORCISTA

            Aquela casa era muito antiga. O grande portão de madeira ia carcomido pelo tempo. Lascas de tinta marrom que caiam deixavam entrever que um dia aquele portão fora pintado de um vermelho sangue. O muro muito alto não deixava visão da casa. Dentro a casa não era confortável, apesar de espaçosa. Tinha as paredes muito úmidas e o teto embolorado. Os vizinhos evitavam até de olhar para ela, todos sabiam que ali vivera e morrera uma senhorinha que realizava abortos no calar das madrugadas. Muitos fetos foram enterrados no fundo do quintal e um novo cômodo se erguera ali.
            Surpresa porém foi ver ali chegando uma mudança, depois de anos de abandono da casa. A família que ali chegava parecia muito normal, um casal com seus três filhos.
            As portas foram abertas e a limpeza era geral. Os olhares dos vizinhos espreitavam cheios de horror o ritual de mudança. Alguns dias depois tudo estava no lugar.
            A alegria do casal parecia estampada no rosto, deleitaram-se por pagar tão baixo preço numa casa tão grande e bem localizada. A alegria, porém não durou muito. Logo souberam dos rumores das desgraças que a casa trazia. O casal tentou convencer os filhos de que aquilo tudo era boato e que logo, logo eles veriam o quão felizes seriam.
            Acontece porém que não durou muito e coisas estranhas começaram a acontecer... No início coisas mais brandas. Um dia a filha mais velha estava sentada costurando uma roupa quando sentiu um sopro muito gelado em seu pescoço, pensou que se tratava de uma brincadeira do irmão caçula, mas de repente percebeu que estava sozinha em casa. Chamou pela mãe e não obteve resposta. Levantou-se um tanto ressabiada e lentamente foi saindo daquele quarto, sentiu o sopro gelado em seus joelhos. Correu para a sala e os sopros na nuca estavam cada vez mais gelados. Depois desse dia nunca mais voltou ao normal a sua vida, pois aqueles sopros eram constantes onde quer que ela estivesse dentro de casa. Só tinha paz quando saía de casa.
            Os bichos de estimação tiveram mortes estranhas. Dois cães amanheceram mortos em cima do telhado com os olhos esbugalhados, suas cabeças pendiam pela beirada da telha deixando entrever o focinho desfigurado.
            O filho caçula começou a ver um vulto caminhar pela casa, ás vezes esse vulto surgia pelas paredes ainda com resquícios de mofo. A família via de vez em quando um porco enorme cruzar a sala e desaparecer no quarto de costura.
            Ninguém mais conseguia ter paz naquela casa, mas tinham gasto todas as suas economias ali e agora não tinham mais para onde ir. Tentavam conviver com aquilo, mas a felicidade há muito tinha se esvaído. Certa noite porém, a família estava reunida na sala quando ouviram um forte gemido vindo do quarto de costura, o pai pediu calma a todos e devagar pegou a bíblia e encaminhou-se para o local do gemido. A mãe abraçou os filhos e todos começaram a rezar: “Ave Maria cheia de graça...” Um grito ensurdecedor ecoou pela casa e todos correram em socorro do pai. O espanto foi grande quando viram o homem com a cortina negra enrolada no pescoço. O pai tentava desesperadamente escapar, mas a força do mal era maior. A bíblia estava colada no teto e suas folhas voavam como se ali tivesse uma forte tempestade. Os móveis tremiam e eram arrastados do lugar. Os olhos do homem saltaram das órbitas e sua língua não cabia mais na boca. O tecido afrouxou-se no pescoço, mas para o homem já era tarde. A bíblia desgrudou-se do teto caindo em cima do rosto do homem. O pânico fez com que mãe e filhos corressem dali. No dia seguinte os vizinhos viram o portão entreaberto e à tarde chamaram a polícia, pois havia algo de muito estranho acontecendo ali.
            Repórteres e curiosos aglomeravam-se para ver aquele corpo deformado sair dali.
            A polícia nunca desvendou o caso e a família nunca mais fora encontrada por ninguém. A casa foi lacrada e ainda hoje ouve-se sussurros pela madrugada. As pessoas têm a impressão de que a casa possui olhos que as seguem quando elas passam ali por perto. A cidadezinha cresceu, mas no meio das belas casas jaz um mausoléu que ninguém se atreve a adentrar. A casa tem olhos que choram e chamam.