666
A noite
era tenebrosa. Relâmpagos riscavam o céu e os trovões estrondavam como feras
famintas.
A mata
ajoelhava-se perante o vendaval que atirava a água da chuva contra a vidraça de
seu quarto. O sibilo do vento parecia assoviar o seu nome:
“FFFFFlávvvvvvviooooooo”. O suor escorria pelo rosto e pelas costas.
A bíblia
aberta caída ao pé de sua cama parecia uma enorme boca escancarada que o queria
engolir... “666 é o número da Besta”... A frase martelava em sua mente ao ritmo
da forte chuva.
Flávio
estava sozinho já há alguns dias naquela enorme casa de campo que herdaria de
seus pais. Uma casa muito antiga ao pé de uma generosa montanha. A bíblia tinha
sido sua única companheira. Fazia leitura diária... Salmos, crônicas, cânticos,
apocalipse...
"E levou-me em espírito a um deserto, e vi uma mulher
assentada sobre uma besta de cor de escarlata, que estava cheia de nomes de
blasfêmia, e tinha sete cabeças e dez chifres. E a mulher estava vestida de
púrpura e de escarlata, e adornada com ouro, e pedras preciosas e pérolas; e
tinha na sua mão um cálice de ouro cheio das abominações e da imundícia da sua
prostituição; E na sua testa estava escrito o nome: Mistério, a grande
babilônia, a mãe das prostituições e abominações da terra." (Apocalipse
17:3-5) “Aquele que tem entendimento calcule o número da besta, pois é o número
de um homem, e o seu número é seiscentos e sessenta e seis (666)”. (Apocalipse
13:18)
Flávio
conhecera Viviane há seis meses e essa mulher causou em sua vida a maior de
todas as ruínas. Viviane era interesseira e todos perceberam isso desde o
início, menos Flávio que ficara totalmente cego por ela. Aos poucos a mulher o
convencera que era melhor eles se livrarem dos pais de Flávio, assim os dois
não teriam mais de aturar a todo instante as falações do tipo: “Essa mulher não
presta... Essa mulher vai causar a sua desgraça...”
O plano
fora arquitetado e colocado em prática. Em seis de junho os pais foram
assassinados a pauladas. O sangue ficara espargido pelas paredes brancas. A
polícia não conseguiu desvendar o caso. No enterro dos pais Flávio chorava
inconsolável ao lado da namorada toda de preto.
O baque
foi assustador quando Flávio entrou no quarto para reconhecimento dos corpos,
na parede suja de sangue podia-se ver nitidamente o número que se formara por
entre o escarlate sanguíneo: 666. O grito do rapaz foi ensurdecedor e o desmaio
não era fingimento.
Depois do
enterro Viviane sumira. Flávio, desesperado a procurou sem sucesso. Algum tempo
depois partira para a casa das montanhas para tentar procurar refrigério para
sua alma, pois o peso na consciência era avassalador.
Naquela
noite chuvosa tomara da bíblia e ao ler aquela passagem tudo ficou claro em sua
mente. Ele e Viviane tinham sido as bestas feras de seus pais, os dois juntos
traziam em seus nomes o número da Besta “666” “Aquele que tem entendimento
calcule o número da besta, pois é o número de um homem, e o seu número é
seiscentos e sessenta e seis (666)”. (Apocalipse 13:18) : VIVIane (
VI=6+VI=6)+FláVIo (VI=6), ou seja, VIVIVI=666.
Flávio não parava com a matemática
mental, matara seus pais em 6/6 e conhecera Viviane exatamente seis meses
antes...(666) A cabeça lhe doía, o sangue fervia em suas veias.
Os trovões
continuavam lá fora e Flávio agora estava em cima de sua cama, tomava a posição
fetal para tentar adquirir algum conforto.
De repente
ele ouve o ranger da porta e passos que subiam as escadas... Sentou-se
amedrontado na cama e qual não foi a sua surpresa ele vislumbra Viviane
entrando lentamente em seu quarto com um sorriso demoníaco. Vestia-se de
escarlate e trazia em sua mão uma taça com um líquido vermelho.
_Se afasta
de mim Demônio! – Gritou ele desesperado quando viu que a mulher tinha chifres
e rabo.
A
gargalhada que ele ouviu foi de puro prazer demoníaco. A mulher sorveu aquele
líquido da taça deixando escorrer um pouco pelo canto da enorme boca: “Um
brinde com o sangue de seus pais!” A voz era gutural e horripilante.
_Você me
enganou seu Demônio! – Chorou Flávio.
_Não meu
camarada, você se enganou... Agora já é tarde pra você se arrepender. Vim te
buscar para a sua eterna morada.
Seis dias
depois o corpo de Flávio fora encontrado na casa das montanhas, completamente
desfigurado. A polícia tenta atribuir a morte de Flávio aos mesmos criminosos
que executaram seus pais. Nisso eles têm razão.
Dizem os
novos moradores da casa das montanhas que, em noites de muita chuva, pode-se
ouvir gemidos de muita dor que parecem vir das profundezas do inferno! Parece
que a casa será colocada mais uma vez à venda. Fica à Rua das Lágrimas nº 666.
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