quarta-feira, 11 de abril de 2012





666

            A noite era tenebrosa. Relâmpagos riscavam o céu e os trovões estrondavam como feras famintas.
            A mata ajoelhava-se perante o vendaval que atirava a água da chuva contra a vidraça de seu quarto. O sibilo do vento parecia assoviar o seu nome: “FFFFFlávvvvvvviooooooo”. O suor escorria pelo rosto e pelas costas.
            A bíblia aberta caída ao pé de sua cama parecia uma enorme boca escancarada que o queria engolir... “666 é o número da Besta”... A frase martelava em sua mente ao ritmo da forte chuva.
            Flávio estava sozinho já há alguns dias naquela enorme casa de campo que herdaria de seus pais. Uma casa muito antiga ao pé de uma generosa montanha. A bíblia tinha sido sua única companheira. Fazia leitura diária... Salmos, crônicas, cânticos, apocalipse...
"E levou-me em espírito a um deserto, e vi uma mulher assentada sobre uma besta de cor de escarlata, que estava cheia de nomes de blasfêmia, e tinha sete cabeças e dez chifres. E a mulher estava vestida de púrpura e de escarlata, e adornada com ouro, e pedras preciosas e pérolas; e tinha na sua mão um cálice de ouro cheio das abominações e da imundícia da sua prostituição; E na sua testa estava escrito o nome: Mistério, a grande babilônia, a mãe das prostituições e abominações da terra." (Apocalipse 17:3-5) “Aquele que tem entendimento calcule o número da besta, pois é o número de um homem, e o seu número é seiscentos e sessenta e seis (666)”. (Apocalipse 13:18)
                Flávio conhecera Viviane há seis meses e essa mulher causou em sua vida a maior de todas as ruínas. Viviane era interesseira e todos perceberam isso desde o início, menos Flávio que ficara totalmente cego por ela. Aos poucos a mulher o convencera que era melhor eles se livrarem dos pais de Flávio, assim os dois não teriam mais de aturar a todo instante as falações do tipo: “Essa mulher não presta... Essa mulher vai causar a sua desgraça...”
            O plano fora arquitetado e colocado em prática. Em seis de junho os pais foram assassinados a pauladas. O sangue ficara espargido pelas paredes brancas. A polícia não conseguiu desvendar o caso. No enterro dos pais Flávio chorava inconsolável ao lado da namorada toda de preto.
            O baque foi assustador quando Flávio entrou no quarto para reconhecimento dos corpos, na parede suja de sangue podia-se ver nitidamente o número que se formara por entre o escarlate sanguíneo: 666. O grito do rapaz foi ensurdecedor e o desmaio não era fingimento.
            Depois do enterro Viviane sumira. Flávio, desesperado a procurou sem sucesso. Algum tempo depois partira para a casa das montanhas para tentar procurar refrigério para sua alma, pois o peso na consciência era avassalador.
            Naquela noite chuvosa tomara da bíblia e ao ler aquela passagem tudo ficou claro em sua mente. Ele e Viviane tinham sido as bestas feras de seus pais, os dois juntos traziam em seus nomes o número da Besta “666” “Aquele que tem entendimento calcule o número da besta, pois é o número de um homem, e o seu número é seiscentos e sessenta e seis (666)”. (Apocalipse 13:18) : VIVIane ( VI=6+VI=6)+FláVIo (VI=6), ou seja, VIVIVI=666.
            Flávio não parava com a matemática mental, matara seus pais em 6/6 e conhecera Viviane exatamente seis meses antes...(666) A cabeça lhe doía, o sangue fervia em suas veias.
            Os trovões continuavam lá fora e Flávio agora estava em cima de sua cama, tomava a posição fetal para tentar adquirir algum conforto.
            De repente ele ouve o ranger da porta e passos que subiam as escadas... Sentou-se amedrontado na cama e qual não foi a sua surpresa ele vislumbra Viviane entrando lentamente em seu quarto com um sorriso demoníaco. Vestia-se de escarlate e trazia em sua mão uma taça com um líquido vermelho.
            _Se afasta de mim Demônio! – Gritou ele desesperado quando viu que a mulher tinha chifres e rabo.
            A gargalhada que ele ouviu foi de puro prazer demoníaco. A mulher sorveu aquele líquido da taça deixando escorrer um pouco pelo canto da enorme boca: “Um brinde com o sangue de seus pais!” A voz era gutural e horripilante.
            _Você me enganou seu Demônio! – Chorou Flávio.
            _Não meu camarada, você se enganou... Agora já é tarde pra você se arrepender. Vim te buscar para a sua eterna morada.
            Seis dias depois o corpo de Flávio fora encontrado na casa das montanhas, completamente desfigurado. A polícia tenta atribuir a morte de Flávio aos mesmos criminosos que executaram seus pais. Nisso eles têm razão.
            Dizem os novos moradores da casa das montanhas que, em noites de muita chuva, pode-se ouvir gemidos de muita dor que parecem vir das profundezas do inferno! Parece que a casa será colocada mais uma vez à venda. Fica à Rua das Lágrimas nº 666.

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