sexta-feira, 28 de maio de 2010

Apelo

(Esse texto vai contar a história de uma alma de criança que está no céu...pronta pra nascer)

Eu era feliz dentro da barriga da minha mamãe.

Imaginava às vezes como seria o mundo aqui fora. De alguma maneira eu sabia que ia nascer. Instinto talvez... Não sei!

Eu estava tão protegido no ventre da mamãe! Se bem que às vezes eu me sentia agoniado, uma espécie de premonição. Inconscientemente já sabia do meu destino.. Porém, sabia também que enquanto estivesse ali, mergulhado no líquido da vida, nada de ruim me aconteceria.

Chegou o grande dia! Nasci. Chorei de tristeza, pois separaram-me da minha mãe, olhei em volta à sua procura. Levaram-me para outro lugar tão rapidamente que mal pude distinguir o seu semblante que estava entre lágrimas. Será que eram lágrimas de felicidade ao me ver? Fiquei contente. Claro que eram de felicidade. Suspirei... “Minha mamãe!”

Imaginava os dias felizes que juntos passaríamos. Será que havia muitos brinquedos, roupinhas, sapatinhos e muitas outras coisas me esperando em casa?

Mal via a hora de irmos para casa nos encontrar com papai. Como seria meu pai? Por que não estava ali conosco? Ah! Devia estar trabalhando duro para comprar o meu leitinho, as minhas fraldas, trabalhando duro para que nada me faltasse. Que bom!

Limparam-me e me levaram de volta para junto de minha mamãe. Eu ia feliz e orgulhoso de mim nos braços da enfermeira, já sabia que era hora de mamar.

Mas...

Que choque! Que decepção tão grande! Eu não estava entendendo. Então a mamãe gritava que não me queria? Que me tirassem dali? Que foi que eu fiz? Por que isso? Fiquei aturdido e meu pequeno coração se descompassou!

Hoje... Bem... Hoje, de onde estou, sei muito bem como tudo aconteceu. Sei todos os porquês.

Minha mãe engravidou aos treze anos de idade. Meu pai era um rapaz de dezesseis anos de idade, usava drogas e não tinha nenhum senso de responsabilidade. Conheceram-se no portão da escola onde mamãe estudava. Vovô e vovó davam muitos conselhos a ela, mas não adiantava. Ela achava que todos queriam meter-se em sua vida e que não a queriam ver feliz. Aos treze anos ficou grávida e foi morar com papai num barraco perdido em algum lugar do mundo. Dizia sempre que não queria ninguém a perturbando.

Aos sete meses de gravidez mamãe descobriu que havia contraído AIDS de meu pai. Meu pai, por sua vez, havia contraído a AIDS pela seringa que compartilhava com seus companheiros de droga. E eu... Fui contaminado pela mamãe.

A partir dessa descoberta fui rejeitado. Quando nasci fui abandonado no hospital. Levaram-me para um lugar onde viviam crianças iguais a mim. Vivíamos abandonados. Eu era tão pequenininho! Tão frágil! Precisava tanto da mamãe! Ali vivi por alguns poucos anos.

Hoje, de onde estou, faço um apelo a todos vocês : Não vamos fazer aos outros o que não gostaríamos que fizessem a nós. É muito triste viver sem pai, sem mãe e ainda ter uma doença que não tem cura. Papai e mamãe tinham família que lutaram por eles, que os ajudaram em seus momentos difíceis. Se falharam não foi por falta de esclarecimento e educação, mas sim por rebeldia. Mas... E eu? Que culpa tinha em toda essa história? Não deixem que isso se repita, eu peço! Peço por favor que tenham piedade de mim, pois estou pronto para nascer de novo, pode ser que seja você meu pai ou minha mãe. Cuidem-se, pois tenho o direito de ser feliz.

Um comentário:

  1. Quando eu escrevi esse texto eu chorei muito... Não conseguia nem ler. Hoje já me acostumei com ele...

    ResponderExcluir